sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Nossas pequenas revoluções.

Filme: Maria Montessori, uma vida pelas crianças

Maria Montessori nasceu em 1870 na Itália sendo a primeira mulher a formar-se em medicina pela Universidade de Roma. Seu sobrenome é mundialmente conhecido por estar ligado ao seu método de aprendizagem, desenvolvido a partir de experiências de trabalho com crianças na clínica da Universidade. Por mais que uma descrição de sua vida se empenhe em ser completa e detalhada, não conseguirá alcançar todas as questões com que essa personalidade se envolveu. Sua trajetória de vida é uma inspiração pra todos que se interessam pelos estudos de gênero, desenvolvimento, educação, violência e prevenção; é fonte de inspiração pra quem se interessa pela vida.
As implicações de se nascer do sexo feminino, há mais de um século, em uma sociedade extremamente patriarcal, que naturaliza as atribuições e características esperadas da clássica dicotomia masculino/feminino, são questões em evidencia durante toda a vida dessa mulher. As práticas sociais atribuídas de forma arbitrária às mulheres são fortemente representadas quando Maria Montessori escolhe estudar medicina em vez de pedagogia, contrariando seus pais e estereótipos que surpreendentemente ainda perduram (exatas/homens, humanas/mulheres). Fica em evidência quando a aluna a pedido do diretor precisa ser a última a entrar na sala; quando precisa abrir mão do convívio com o filho por não poder ser mãe solteira; quando seu desempenho e engajamento profissional se torna um empecilho para ficar ao lado de alguém, afinal, mulheres devem amar e não competir com seus maridos de modo a tirar-lhes seu mérito e honra. Os efeitos dessa violência nas relações de gênero sobre a saúde física e mental dos indivíduos ficam muito claros quando Maria Montessori diz que “nessa vida, os caprichos de um homem valem mais do que a vida de uma mulher”, ao fazer uma incisão no cadáver de uma jovem que havia morrido de sífilis por falta de tratamento para que a vivência de seu marido em casas noturnas não viesse à tona na sociedade.
De forma geral, sua vida foi um misto de várias revoluções dentro dessas construções sociais. Manter um método de ensino onde garotos devem lavar sua própria louça e roupa contrariando uma advertência de Mussolini, faz-me pensar na mobilização de recursos pessoais que Maria Montessori precisou fazer para enfrentar os embates e resistências em relação às suas propostas de mudança. Um importante recurso que é muito bem retratado é o de sua família, que apesar de tradicional, sempre a apoiou e se orgulhou de suas conquistas.
Ao longo de sua graduação, é surpreendente a forma com que lida com a saúde já norteada por um modelo biopsicossocial. Maria Montessori ressalta a importância de se trabalhar com a prevenção e a promoção de saúde e não só com a doença e cuidados paliativos. O cuidado e sensibilidade ao lidar com o ser humano é evidenciado na fala: “queria tratá-la como um ser humano e defende-la das chacotas e olhares dos meus colegas” ao se referir a um corpo utilizado em uma atividade anatômica. Durante todo o filme, a importância atribuída ao cuidado com a vida e ao estabelecimento de uma relação de absoluta confiança entre profissional da saúde e paciente fica muito clara.
Todas as suas experiências pessoais, profissionais e acadêmicas parecem ter contribuído para a criação de um modelo de aprendizagem que a meu ver, surge como uma tentativa belíssima de trabalhar todas as questões que a incomodavam. Ao trabalhar em um projeto de pesquisa com crianças em uma clínica psiquiátrica e populações desprivilegiadas da sociedade, Maria Montessori adota a educação como um poderoso instrumento de transformação social, apesar de ter sido formada dentro de um modelo mecanicista que trabalha os problemas e mazelas humanas com a ideia de “cura”. Ao perceber a diferença existente no tratamento de pacientes que haviam sido atendidos e cuidados por suas famílias, estrutura um pilar essencial no seu método de ensino que é aproveitar essa fase do desenvolvimento infantil para envolver as crianças em um ambiente de estímulos adequados e essenciais para o seu crescimento: afeto, autonomia e empoderamento.
Seu método de ensino passa longe do assistencialismo, posto que, enxerga a educação como uma conquista inalienável do indivíduo. Sua proposta de atribuir ao professor a função primordial de despertar nas crianças o reconhecimento do seu valor e capacidades é um exemplo do empoderamento que a educação proporciona ao aprendiz.
É difícil pensar em uma reflexão que conclua o que este filme suscitou em mim. Mas a ideia que me acompanha em todas essas pequenas análises é a de que pequenas revoluções alimentam os processos de mudança. Fazendo um paralelo com a fase em que me encontro na formação, tenho pensado muito no fato de que se você terminar um curso universitário, qualquer que seja, sem a menor vontade de mudar um pedacinho do mundo, alguma coisa está errada. Há uma cena no filme, em que Maria Montessori questiona o estudo de desenvolvimentos psíquicos e danos neurológicos sem a pretensão de intervenção, dizendo que dessa forma, nunca estaremos preparados para a aplicação dos conhecimentos gerados pela Universidade que são carregados de muito potencial de contribuição para a sociedade. Essa angústia vivida pela personagem retrata muito o enfraquecimento do compromisso com as atividades de extensão dentro da Universidade, um tripé essencial, que fica encoberto pelas atividades de produção acadêmica e ensino.
Maria Montessori é mais um exemplo de que todas as nossas experiências pessoais, nossos interesses, nossas inconformidades, o que conhecemos, o que aprendemos, o que estudamos, tudo isso somado às nossas motivações, são os únicos instrumentos necessários para alcançar os objetivos que almejamos.

Lala

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