domingo, 26 de abril de 2015

Quando amar exclui

Há muito tempo tenho sido atravessada por vivências que provocam uma reflexão de como a exclusão, a negligência e a violência (sim, violência não é só tapa e se estabelece em vários níveis) fundamentam as relações que estabelecemos em sociedade. E em sociedade, quero dizer eu. Quero dizer você. Quero dizer as outras pessoas.

Felizmente está cada vez mais em voga as discussões/mobilizações que problematizam essas relações de exclusão sustentadas pelas crenças de que existe um jeito certo de se relacionar afetiva e sexualmente, em jeito certo de se portar, um corpo certo, um tom de pele certo, um bairro certo para se nascer, um jeito certo de ser mulher, um jeito certo de ser homem, um jeito certo de devir...

Esses exemplos são formas muito antigas, muito opressoras, e pra mim, muito explícitas de exclusão. Mas ultimamente, tenho pensado em uma forma sutil e disfarçada que achamos para excluir e negligenciar.

Ao longo da vida (e acredito que em alguns momentos ainda seja assim) acreditei que a única forma de desconstruir esses padrões seria amando. Aquela ideia de que aah o amor dá jeito em tudo. Taí, acredito que deve ter alguma verdade nisso. Mas a minha dúvida tem sido: como nosso amar outra pessoa também exclui, também negligencia, também oprime.

Penso que existe um quê de não amorosidade, de não abertura, no movimento de escolher pessoas específicas para direcionar o meu afeto. Quando escolho A.Q.U.E.L.A.(S) pessoa para ser minha amiga, quando escolho ser aberta ao amor apenas na presença dessa(s) pessoa(s), eu estou (des)escolhendo todas as outras. Ok, não dá pra gente se relacionar com todas as pessoas desse mundo, e a ideia não é essa (sempre importante explicar que expor uma ideia não é defender o seu extremo). Acredito sim que no momento que a gente se relaciona com alguém, é importante estar 100% presente com essa pessoa, em uma relação de entrega e troca no limite daquilo que conseguimos oferecer e receber. Mas quando escolhemos uma pessoa, quando escolhemos os nossos círculos e grupos de relação, nós negligenciamos, nós excluímos outras pessoas, excluímos quem talvez esteja, nesse momento específico, demandando o afeto que estamos direcionando apenas àquela minha melhor companhia/paceira/amiga/colega do universo inteiro. E talvez aquela sua melhor amiga do universo inteiro nem esteja em um momento da vida onde sua frequência afetiva esteja das mais congruentes com a sua. Talvez há um mês atrás fosse uma relação super nutritiva pra vocês. Talvez esse mês já não seja.

Esse amar a pessoa X e não a pessoa Y fragiliza-se polo hábito de permitir apenas a manifestação daqueles afetos aceitáveis. 
Eu amo minha parceira, mas ultimamente tenho sentido raiva dela. 
Mas as vezes, essa raiva já encontra uma resistência tão grande que se transforma em outra coisa mais aceitável. Uma raivazinha aqui que se transforma em cuidado excessivo, uma mágoa que se transforma em críticas sutis à outra pessoa, um ciúme que se transforma em controle. E essa é outra armadilha desse nosso amar: não permitir a entrega que reconhece e valida a fluidez do que possa vir da relação.

Daí já vem aquela outra armadilha... O nosso olhar que congela as pessoas. E como é esse congelar a outra pessoa, a gente se pergunta? É muito simples e frequente nas nossas relações: conhecemos uma pessoa e pautamos todo o nosso relacionamento na ideia estática que construímos dela. Como funciona isso?

Eu conheço aquela amiga há 4 anos. Nessas férias eu quero fazer uma trilha na chapada e tô pensando em quem chamar pra dividir a gasosa da viagem. Eu me lembro da amiga de 4 anos. Imediatamente penso no conceito que EU construí nesse pequenino tempo de relação, mas que pra mim é super válido, afinal, nossa relação é muito intensa, aberta e sincera: a fulaninha não cabe no perfil dessa viagem, pq EU SEI que a fulaninha gosta de conforto, ou gosta de cidade, ou não gosta de mosquito, ou é tão desastrada que vai pôr fogo na vegetação da trilha. 

Pronto! Acabei de congelar a fulaninha no meu conceito baseado na nossa relação tão amorosa e fraternal. Não damos espaço, muitas vezes, no nosso afã de “ó tão sabida e esperta que sou”, para a fluidez que todo mundo tem. Inclusive essa minha amiga de 4 anos. Por mais que doa em mim, essa amiga flui na vida, se transforma. 

Não damos espaço para as mil possibilidades de ser que as pessoas que encontramos e nos relacionamos na vida tem. Na liberdade de escolha, de transformação, de desconstrução, que os outros (e nós também!) temos nessa vida tão dinâmica. Na liberdade que nós (e as outras pessoas) temos de estarmos abertas à afetividade diária. 

Engraçado como achamos comum direcionar nossa afetividade àquela amiga da pré escola, e recusar a afetividade à mulher que conhecemos no parque. Esta mulher é menos merecedora* do meu afeto que aquela amiga? 

Por que escolher direcionar o meu afeto dentro desse círculo e limitá-lo quando fora?



*faltou uma palavra melhor 

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Que'c gosta de ouvir?

a inquietação veio do alex e em menos de um minuto foi listada:


o comentário irreverente de uma criança. 
a água do chuveiro caindo. 
o barulho que meu cabelo faz com um cafuné. 
o toque do interfone.
 uma pessoa amiga falando: "cê tá "assim" hoje, quê que foi?". 
o click da panela com o arroz pronto. 
uma rodela de limão caindo em um copo de água com gás. 
gelo batendo no copo. 
miados. 
embalagem de chocolate. 
a vinheta de abertura de um filme da warner. 
abertura de friends. 
violão. 
violino. 
capoeira. 
embalagem de presente sendo rasgada. 
papel velho sendo rasgado. 
o café escorrendo do coador pra garrafa. 
os gritos da minha vizinha brincando no bloco. 
“oi meu amor”. 
“chegou que horas?”. 
alívio do choro. 
gritos, de qualquer espécie, de prazer, de surpresa, de alegria, de conforto. 

De música? Uai, acabei de falar.

domingo, 25 de maio de 2014

A respeito de segurança e insegurança

Incríveis os feitos da procrastinação. Ela te trás as melhores ideias, as maiores inspirações, as grandes expectativas.. E, claro, muito sono e stress, pois nada disso se refere às obrigações que você tem a cumprir.
Neste meu momento de quase ápice do procrastinamento, me inspirei a respeito de segurança...
Como nós, seres inseguros somos sofridamente e dramaticamente ignorantes. Se soubéssemos o quanto os outros admiram a segurança, não seríamos tão inseguros. (Ou sabemos e por isso o somos?)
O que acontece, é que por mais qualidades que a gente tenha, sempre estamos procurando (e encontrando) uma falha a ser concertada. Uma falha que aponta a ausência de uma qualidade fundamental. Tão fundamental que todo o mundo vai conseguir perceber que não a temos. Difícil ser assim, não é?
Difícil e inútil... Algumas vezes útil, pois a insegurança muitas vezes dá fruto a uma pró-atividade e capricho sem igual. Defendo a teoria que os inseguros são os melhores de serviço.
Mas, a que custo? A custo de noites de insônia, dores de cabeça, gastrite, ansiedade, nervosismo, submissão e tantas outras coisas que só nos prejudicam? Será que vale a pena? (Vamos ser práticos e abandonar essa história do "inevitável").
Todo mundo gosta de quem é autêntico, seguro, independente e todo o resto... Por mais que a gente pense que os outros vão gostar de quem esteja sempre lá para eles e adapte as vontades às suas, sabe aquele clichê que diz que a gente gosta mesmo é de apanhar? Gosta mesmo. Não literalmente, claro... (quer dizer, alguns literalmente também, mas isso é outro assunto).
Ninguém ("de respeito") quer alguém que faça tudo por você. Não mesmo. Não sinceramente e amorosamente falando. A gente quer alguém que caminhe junto, alguém que olhemos e vejamos como sendo diferente de todos os outros. Alguém único no mundo.
E, mesmo que o impulso inicial seja este, a segurança não faz tão bem a qualquer um outro, quanto pra você, para as suas noites de sono, para o seu organismo e seu sistema nervoso.
Eu sei que todos os livros de auto-ajuda estão por aí repetindo a mesma coisa o tempo todo, com abordagens totalmente diferentes e nunca fez realmente efeito até aqui.
Mas tente entender mais uma coisa: A maioria das lições só traz realmente alguma mudança, quando somos nós quem as criamos.

Sara Melo.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

"Será melhor ter alguma coisa e perdê-la, ou nunca a ter tido?"
- Charles Dickens.

sábado, 19 de abril de 2014

Caos

Uma multidão assiste e se envolve em um espetáculo que celebra a  vida. Basta que esse espetáculo termine para que todos se levantem, ou não, e comecem com diferenças de segundos a baterem palmas. Centenas de pessoas. Cada uma em um momento. Um caos.
Não precisa muito tempo para que essas palmas entrem em sintonia e ganhem força, todas ao mesmo tempo em sinal de gratidão e reconhecimento.
Esse mesmo caos unifica, cria sintonia e coloca cada pessoa dessa multidão no seu lugar de importância e igualdade nesse momento.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Sobre o que fica gasto de tanto se dizer

O vídeo do filtro solar diz que conselho e uma forma de nostalgia. Pois eu, que sou ousada, digo ainda mais: Os clichês são uma forma de nostalgia. A juventude é uma dádiva, e se você é jovem ainda, amanhã velho será. O que, na verdade é bom, pois panela velha é que faz comida boa.
Mas vamos parar de encher linguica e ir direto ao ponto, pois para um bom entendedor, meia palavra basta.


Alguns dos que estão lendo esse texto, (talvez muitos) já tenham se deparado com a situação em que soltar um clichê se torna irresistível, quase como perguntar se macaco quer banana.
Onde não importa o que se diga, só o bom e velho "não é você, sou eu" ou o "siga o seu coração" vão conseguir traduzir exatamente o que você quer dizer. O que é uma pena, pois pra quem escuta uma frase dessas, as palavras ouvidas são só "blablablá era melhor ficar calado."
Não sei se vocês já repararam, mas os mais velhos são os senhores do clichê. Que usam sem dó, até desbotar os coitados. Criam ditos populares, jargões, e outros conselhos prontos ansiosos para serem usados. E quando tem uma oportunidade, ficam igual pinto no lixo.
Acontece que a medida que a gente vai ficando mais velho e vai tomando na cara pela vida... Essas frases fazem cada vez mais sentido e as vezes a gente até se arrepende por não ter dado atenção a elas antes.
Ah, se naquela época eu tivesse a cabeça que tenho hoje, as coisas seriam diferentes.
Não seriam, os clichês, uma forma de antecipar experiências? Um aviso de que não precisa se passar pela mesma coisa dos nossos pais, avós e tios, para aprender o que eles aprenderam, se simplesmente levarmos a sério as frases tão batidas que eles dizem? Confia em mim, eu sei o que tô dizendo!
E é por isso que eu digo que clichê é uma forma de nostalgia. Talvez essas pessoas apenas quisessem ter ouvido mais, ou um pouco antes, os clichês da vida, e por isso eles continuam se repetindo infinitamente. (afinal, água mole em pedra dura...)
Mas não se preocupe se não entendeu o que eu quis dizer, talvez entenda daqui há alguns anos. Ou não. Mas lembre se que o pior cego é aquele que não quer.
Obrigada por ter lido até aqui, um passarinho verde me falou que ler sobre clichês cansa. Se não quiser pensar mais sobre isso, não tem problema. Mas ocupe seu tempo, afinal cabeça vazia é oficina do capiroto.

Um beijo e um queijo!


Sara Melo.