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Filme: Maria Montessori, uma vida pelas crianças |
Maria Montessori nasceu em 1870 na Itália sendo a primeira
mulher a formar-se em medicina pela Universidade de Roma. Seu sobrenome é
mundialmente conhecido por estar ligado ao seu método de aprendizagem,
desenvolvido a partir de experiências de trabalho com crianças na clínica da
Universidade. Por mais que uma descrição de sua vida se empenhe em ser completa
e detalhada, não conseguirá alcançar todas as questões com que essa
personalidade se envolveu. Sua trajetória de vida é uma inspiração pra todos
que se interessam pelos estudos de gênero, desenvolvimento, educação, violência
e prevenção; é fonte de inspiração pra quem se interessa pela vida.
As implicações
de se nascer do sexo feminino, há mais de um século, em uma sociedade extremamente
patriarcal, que naturaliza as atribuições e características esperadas da
clássica dicotomia masculino/feminino, são questões em evidencia durante toda a
vida dessa mulher. As práticas sociais atribuídas de forma arbitrária às
mulheres são fortemente representadas quando Maria Montessori escolhe estudar
medicina em vez de pedagogia, contrariando seus pais e estereótipos que
surpreendentemente ainda perduram (exatas/homens, humanas/mulheres). Fica em
evidência quando a aluna a pedido do diretor precisa ser a última a entrar na
sala; quando precisa abrir mão do convívio com o filho por não poder ser mãe
solteira; quando seu desempenho e engajamento profissional se torna um empecilho
para ficar ao lado de alguém, afinal, mulheres devem amar e não competir com
seus maridos de modo a tirar-lhes seu mérito e honra. Os efeitos dessa
violência nas relações de gênero sobre a saúde física e mental dos indivíduos
ficam muito claros quando Maria Montessori diz que “nessa vida, os caprichos de
um homem valem mais do que a vida de uma mulher”, ao fazer uma incisão no
cadáver de uma jovem que havia morrido de sífilis por falta de tratamento para
que a vivência de seu marido em casas noturnas não viesse à tona na sociedade.
De forma geral,
sua vida foi um misto de várias revoluções dentro dessas construções sociais. Manter
um método de ensino onde garotos devem lavar sua própria louça e roupa
contrariando uma advertência de Mussolini, faz-me pensar na mobilização de
recursos pessoais que Maria Montessori precisou fazer para enfrentar os embates
e resistências em relação às suas propostas de mudança. Um importante recurso
que é muito bem retratado é o de sua família, que apesar de tradicional, sempre
a apoiou e se orgulhou de suas conquistas.
Ao longo de sua
graduação, é surpreendente a forma com que lida com a saúde já norteada por um
modelo biopsicossocial. Maria Montessori ressalta a importância de se trabalhar
com a prevenção e a promoção de saúde e não só com a doença e cuidados
paliativos. O cuidado e sensibilidade ao lidar com o ser humano é evidenciado
na fala: “queria tratá-la como um ser humano e defende-la das chacotas e
olhares dos meus colegas” ao se referir a um corpo utilizado em uma atividade
anatômica. Durante todo o filme, a importância atribuída ao cuidado com a vida
e ao estabelecimento de uma relação de absoluta confiança entre profissional da
saúde e paciente fica muito clara.
Todas as suas
experiências pessoais, profissionais e acadêmicas parecem ter contribuído para
a criação de um modelo de aprendizagem que a meu ver, surge como uma tentativa
belíssima de trabalhar todas as questões que a incomodavam. Ao trabalhar em um
projeto de pesquisa com crianças em uma clínica psiquiátrica e populações
desprivilegiadas da sociedade, Maria Montessori adota a educação como um
poderoso instrumento de transformação social, apesar de ter sido formada dentro
de um modelo mecanicista que trabalha os problemas e mazelas humanas com a
ideia de “cura”. Ao perceber a
diferença existente no tratamento de pacientes que haviam sido atendidos e
cuidados por suas famílias, estrutura um pilar essencial no seu método de
ensino que é aproveitar essa fase do desenvolvimento infantil para envolver as
crianças em um ambiente de estímulos adequados e essenciais para o seu crescimento:
afeto, autonomia e empoderamento.
Seu método de
ensino passa longe do assistencialismo, posto que, enxerga a educação como uma
conquista inalienável do indivíduo. Sua proposta de atribuir ao professor a
função primordial de despertar nas crianças o reconhecimento do seu valor e
capacidades é um exemplo do empoderamento que a educação proporciona ao
aprendiz.
É difícil
pensar em uma reflexão que conclua o que este filme suscitou em mim. Mas a
ideia que me acompanha em todas essas pequenas análises é a de que pequenas
revoluções alimentam os processos de mudança. Fazendo um paralelo com a fase em
que me encontro na formação, tenho pensado muito no fato de que se você
terminar um curso universitário, qualquer que seja, sem a menor vontade de
mudar um pedacinho do mundo, alguma coisa está errada. Há uma cena no filme, em
que Maria Montessori questiona o estudo de desenvolvimentos psíquicos e danos
neurológicos sem a pretensão de intervenção, dizendo que dessa forma, nunca
estaremos preparados para a aplicação dos conhecimentos gerados pela
Universidade que são carregados de muito potencial de contribuição para a
sociedade. Essa angústia vivida pela personagem retrata muito o enfraquecimento
do compromisso com as atividades de extensão dentro da Universidade, um tripé essencial,
que fica encoberto pelas atividades de produção acadêmica e ensino.
Maria
Montessori é mais um exemplo de que todas as nossas experiências pessoais,
nossos interesses, nossas inconformidades, o que conhecemos, o que aprendemos, o
que estudamos, tudo isso somado às nossas motivações, são os únicos
instrumentos necessários para alcançar os objetivos que almejamos.
Lala