domingo, 26 de janeiro de 2014

Onde termina a falta de empatia e começa a violência?

Saio de um centro de saúde pública aflita. Não foi a fila. Não foi a demanda. Não foi sequer a presença do adoecer. Aliás, o meu olhar me disse sobre um adoecimento cruel, violento, mas sutil.
A aflição gerada pela fala. Não a fala de um@ paciente, mas de uma profissional. 
Saíra do ambulatória e foi-se reunir às colegas. O caso era de uma criança. Um capeta. C-A-P-E-T-A. Eu lhe disse: “você não vai ficar quieta? Senta agora! Tem que sentar”. Pensa, gente, numa criança difícil. Veio com a avó. A mãe usuária de crack. Aquelas famílias sabe? Pois é. A mãe: negra. NEGRA, PRETINHA.
As últimas 3 palavras não foram pronunciadas em caixa alta. Não foram ditas em alto e bom som. Apesar de terem sido ditas e frisadas por três vezes, foram apenas balbuciadas, para que apenas as 4 pessoas presentes na sala conseguissem ouvir o que realmente estava sendo dito. 
Pois que tivesse gritado. Deveria. Deveria ter gritado: negra, preta! Deveria ter gritado o horror que esse sussurro e tremular dos seus lábios adoecidos estavam dizendo ali, em um centro de saúde público, de uma profissional que fala do acolher, do contato empático, da saúde mental, da humanização! Céus, da humanização!
Pois deveria ter gritado, pois assim, teria tido a oportunidade de me permitir também gritar respostas a uma conversa que não havia sido convidada, mas que infelizmente havia presenciado. Gritado o horror! Gritado a denúncia à violência simbólica que houvera presenciado. Ao racismo, sim ao racismo que essa garota certamente negaria o ato. Mas sim minha cara, tu és racista! Poderias ter dito tudo ao sair daquele atendimento:
A mãe: alta
A mãe: navegadora
A mãe: com problema de vista
A mãe: gaúcha
A mãe: astronauta
A mãe: ausente
A mãe: trabalha muito

Mas não, dissestes:
A mãe: negra. 

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Créditos do título: http://alexcastro.com.br/alex-voce-preferia-uma-filha-gay-ou-ladra/

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